sexta-feira, 2 de maio de 2008

MULHER ELÁSTICO


Assim como a personagem do desenho animado, a mulher contemporânea tem de ser elástica para dar conta das demandas do cotidiano.

A progressiva conquista de novos lugares e papéis femininos trouxe uma infinidade de ganhos que, como não poderia deixar de ser, teve seu preço.
Isso solicita uma mudança na posição subjetiva da mulher, o que certamente exige a perda das antigas posições. Caminho tortuoso e difícil, pois a estrada em direção à autonomia, única via de acesso a novas realizações, pede que a mulher assuma o preço da responsabilidade de uma posição de sujeito.


A mudança dos tempos traz sempre consigo a transformação dos ideais, resultado de novas conquistas do ser humano no saber sobre si mesmo. Ocorrem aí o abandono de interesses antigos e a descoberta de novos interesses e necessidades. No entanto, para as mulheres essa mudança trouxe também uma ampliação dos ideais. No que diz respeito à sua inserção na cultura, elas confrontam-se hoje não apenas com as modificações dos ideais, mas com um verdadeiro acúmulo deles.


Presas à necessidade de corresponder ainda aos ideais do âmbito doméstico, reinado de suas mães e avós, as mulheres se vêem hoje requisitadas pelas demandas próprias do espaço público - profissional e social. Às voltas com o difícil caminho que qualquer mudança de posição subjetiva exige, as mulheres parecem ter diante de si um espectro amplo de ideais a alcançar.


Esticadas entre uma identificação passiva e outra ativa, tentam lidar com o excesso que caracteriza as demandas do seu cotidiano. Resulta daí um verdadeiro acúmulo que requer uma elasticidade nunca antes sequer imaginada. Se a necessidade de perseguir ideais constrói a trajetória cultural do ser humano ao longo do tempo, o percurso das mulheres, em particular, nos permite constatar que, ao modelo de santidade e beleza, veio juntar-se também o de sucesso - tão caro à cultura contemporânea.


Assim, uma boa representação do ideal de feminino dos dias atuais é a figura da mulher-elástico. Para tentar dar conta de tantos ideais, a mulher atual precisa ter um funcionamento verdadeiramente elástico.

Deve desempenhar, com sucesso, uma gama tão variada de funções que só mesmo uma elasticidade originária poderia lhe garantir, ao menos, algum êxito numa empreitada tão fantástica, própria dos super-heróis! Fala-se com freqüência na capacidade feminina de fazer muitas coisas e investir, simultaneamente, em campos diversos.


No entanto, para além dessa elasticidade originária, não existiria também uma dimensão essencialmente conflitiva nessa amplitude de exigências?


Para corresponder às inúmeras demandas próprias de sua época, a mulher-elástico precisa não só ser ideal, mas também ter o corpo ideal. Além de mãe dedicada, compreensiva e bem humorada, deve conservar-se sempre jovem. Amante ardente e bem disposta, precisa ter uma diversidade de investimentos.


Com igual obstinação, realiza os exercícios físicos indispensáveis à manutenção do corpo perfeito e mantém vivos seus interesses culturais nos destinos da humanidade. Mantendo um pé na academia de ginástica e o outro na mostra de cinema do momento, a mulher-elástico é medianamente culta. Bem informada, é capaz de falar sobre qualquer assunto, mesmo que deixe transparecer certa mediocridade em muitos deles.

Além de magra, realizada e bem-sucedida profissionalmente, é bonita, bem-cuidada e economicamente independente. Assiste a filmes de Godard com o mesmo entusiasmo com que entra em uma churrascaria, embora se prive de boa parte do menu disponível. Serena e controlada, a mulher-elástico come carne desde que acompanhada de salada!

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